Vale a penar ler este artigo do pediatra Mário Cordeiro pois desafia os pais a abandonarem o discurso negativo (que tanto existe a nossa volta nestes últimos tempos...)
Imagem retirada da web
Descrevemos como susto a idade adulta, não dando
aos adolescentes e aos adultos em geral a ideia de que é ao ser adulto que se
tem a maior liberdade, a maior capacidade de decisão e quando se é
verdadeiramente senhor do próprio destino e do percurso de vida.
A
lavagem do carro
Imaginem
que levam o vosso carro à máquina de lavagem automática. Dirigem-se a uma
gasolineira, conduzindo-o, e seguem as instruções da pessoa que lá está. Ele vai
dizendo: «mais à direita, mais à esquerda, assim… pode parar!». A partir daí, a
máquina pegará no automóvel e, por mais que o leitor faça, não conseguirá mudar
o rumo das coisas, designadamente do seu automóvel. O que for, será.
A grelha
da máquina «agarrará» nas rodas do carro e levá-lo-á por aí, em direção a umas
ameaçadoras escovas e a jatos de água, que despejarão detergente e espuma (o
leitor deixará de ver o que se passa), depois mais água e, finalmente, uma outra
máquina ameaçadora, que vem em direção ao seu vidro e – confesse, leitor! –
pensará sempre que aquela barra que despeja jatos de ar quente não perceberá que
tem um vidro, um carro e o leitor à frente e fará uma razia em linha reta,
decapitando-o.
No final
deste filme, o leitor ficará satisfeito com o trabalho, o seu carro está limpo e
brilha, sobretudo se tiver pedido o programa mais caro mas mais completo, e
segue então viagem, novamente com poder sobre o volante e sobre o rumo do seu
destino.
A
adolescência é assim. Tão fácil? Ou tão difícil?
O que é
um adulto?
Ou,
melhor, escrevendo o que dizemos nós adultos, aos adolescentes sobre o que é ser
adulto. Pegue-se num telejornal, num jornal ou numa revista: tirando algumas
exceções (bastantes, mas não as suficientes), os adultos são descritos como
assassinos, pedófilos, corruptos, mentirosos, gente de objetivos rasteiros,
gente que aparece porque está «in» e está «in» porque aparece, o
inefável jet set, grandes traficantes, maus políticos, exploradores e
outros que tais. Ou, então, as vítimas desses mesmos adultos. Nós próprios ao
falarmos de nós queixamo-nos permanentemente do trabalho, do cansaço, do IRS, do
fisco, do governo, da malandragem, dos ladrões e… de tudo. Ser adulto é, pois,
uma questão simples. Ser adulto equivale, assim, a uma de duas coisas: ser
malandro ou ser vítima de malandro.
O discurso
sobre a adultícia ainda é pior, quando olhe acrescentamos a «Rádio Nostalgia»: a
criança que há em nós, a liberdade da infância, os bons velhos tempos em que
éramos jovens e não tínhamos responsabilidades.
No
entanto, a cereja no topo do bolo é quando dizemos – talvez com razão, mas com
alguns efeitos secundários indesejáveis – que os erros do passado e detetados no
presente vão ser pagos (e de que maneira!) pelas gerações seguintes. Não discuto
se é verdade ou mentira que cada português, ao nascer, já está a dever balúrdios
a toda a gente, seja aos mercados, seja à senhora Merkel. Que sei eu! Mas para
quem está na adolescência, a ver-se, qual automóvel em máquina automática de
lavar, engatilhado nas roldanas sem poder acelerar, travar, virar à esquerda ou
à direita e quando lhe dizem que as escovas que vêm aí são terríveis, a dúvida é
o que vai sair do outro lado. Um carro limpo e brilhante, ou uma amálgama de
ferros torcidos e a pintura riscada de modo indelével?
Teremos,
assim, de mudar o discurso sobre a adultícia, mais do que repetir os chavões do
costume sobre a adolescência – período descrito por muitos pais como «terrível»,
cheio de problemas e um susto. O que descrevemos, sem dar por isso, talvez, como
susto é a idade adulta, não dando aos adolescentes e aos adultos em geral a
ideia de que é ao ser adulto que se tem a maior liberdade, a maior capacidade de
decisão e quando se é verdadeiramente senhor do próprio destino e do percurso
de vida.
Ser
adolescente em tempo de crise
O nosso
país está em crise, o mundo está em crise. Que grande novidade… Não sabemos o
que o futuro nos reserva, os tempos estão e serão difíceis. Que grande novidade…
Os jovens nem sabem o que os espera! (e alguém sabe?).
Curiosamente, o facto de as sociedades terem
vivido períodos enormes de crise, da palavra crise significar «crescimento e
oportunidade», de esta crise se dar (no nosso país) em níveis de desenvolvimento
nunca antes atingidos e de as gerações anteriores terem, elas mesmas, passado
sempre «as passas do Algarve», parece ser obliterado, branqueado, esquecido. É
como se o mundo, antes de nós, fosse uma maravilha e o futuro um buraco negro
para onde, sem hipóteses de fuga, avançamos.
Quem viu o
último filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris, recordar-se-á da
vontade de muitas das personagens em regressar à geração anterior, com a ilusão
de que o mundo era muito melhor do que é no tempo em que vivem. O próprio
realizador comentou, numa entrevista, com o sarcasmo que lhe é conhecido:
«prefiro viver num mundo cheio de problemas mas com antibióticos!». A ideia de
que «antes é que era bom» é errada. «Antes» poderia ser bom para alguns, mas era
muito mau para a larga maioria. O presente - então em Portugal, isto assume
proporções quase gigantescas – é muito melhor do que o passado, pelo que é
previsível (é certo!) que o futuro será melhor do que o presente. Só que, em
termos históricos, o futuro não se escreve num dia ou num ano, e também não
apenas numa dimensão económica, mas sim em décadas e em diversas perspetivas: a
económica e financeira, com certeza, mas a social, ética, cultural, etc. As
gerações dos nossos pais e avós passaram tempos terríveis: II Grande Guerra,
Guerra Colonial, ditadura fascista… tanta coisa de que, felizmente por um lado,
infelizmente pelo outro, os adolescentes não conhecem e os adultos já
esqueceram. Quem tinha 18 anos no 25 de Abril terá agora 55…
Que
solução?
É bom que
o nosso discurso mude, deixando vitimizações de lado e a conversa fiada da
infelicidade, da perseguição pelos outros e pelo Estado, e do quão coitadinhos
somos. É importante, na minha opinião, que os nossos filhos saibam várias coisas
e que isso seja acentuado:
1 - Que
ser adulto é ter uma fase da vida de enorme liberdade, e que essa liberdade será
tanto maior quanto a pessoa decidir, desde cedo, ser senhor do seu percurso de
vida e entender os graus de liberdade que tem relativamente a ele, através das
escolhas corretas e da reflexão e ponderação sobre essas escolhas – quem pensar
que está tudo predestinado ou que o que decidir hoje não tem impacte no amanhã
estará, sim, a cavar um futuro perigoso. As teorias do carpe diem, ou do
«viver cada dia como se fosse o último», por muito gentis e engraçadas que
sejam, esquecem-se de um pequeno pormenor: é que tudo seria correto se
morrêssemos amanhã mas se não morrermos – o que será certamente o caso - o nosso
futuro será mais difícil e pior se hoje não pusermos as pedras adequadas na
calçada do nosso percurso de vida.
Ter a
cabeça nas nuvens mas os pés bem assentes na terra parece-me uma solução
engenhosa, criativa e eficaz…
Que as
crianças e adolescentes têm uma vida como nunca tiveram em bens, liberdade,
educação, opções de produtos e bens, conhecimento científico, acesso à
informação e ao conhecimento, equipamentos, sociedade legislada e organizada,
enfim, uma vida que as gerações anteriores ambicionariam ter e que construíram –
não foi apenas a crise que lhes legaram, mas sobretudo uma sociedade de
tolerância, democracia e liberdade.
Nunca,
como hoje, se viveram tempos de tanto respeito pelos direitos humanos, de
abundância e tanta qualidade de vida. Esta afirmação é fundamentada em factos,
não é apenas opinativa.
Que o
«quero tudo, já!» que reflete o regresso à fase da omnipotência narcísica dos
15-18 meses de idade, e que muitas das crianças e adolescentes veem consagrado
no seu dia-a-dia com pais que lhes dão tudo sem esforço e sem conquista, que
consagram os seus desejos ao mínimo «piu», não esclarecendo que as expectativas
não podem ser iguais à realidade e que é através do trabalho, da sabedoria, e da
vida, no seu percurso, que se irão obter mais e mais coisas, tem de acabar
porque não é exequível nem justo. O «quero tudo, já!» que se viu concretizado
nos cartõezinhos mágicos que bancos e lojas davam às pessoas (como se fosse
possível ter crédito ilimitado sem que alguém viesse depois pedir contas e
juros, ou até mesmo como se fosse lógico, ético e moral contrair dívidas para
gozo efémero e imediato sem que, no futuro, isso viesse a cair sobre quem as
contraiu), tem de acabar com o «não!» que dizemos aos nossos filhos de ano e
meio ou dois anos, quando nos pedem mundos e fundos.
O «não»
é estruturante, desde que dito com afeto e firmeza, coerência e consistência.
Seria aliciante não haver código da estrada, mas o caos no trânsito que se
seguiria seria um preço demasiado caro a pagar, para lá da ineficácia e de não
chegarmos a lado nenhum por termos tudo entupido à nossa frente. Com o percurso
de vida é igual, embora as margens do rio não devam ser nem tão estreitas que o
rio entra em torrente, nem tão largas que o rio alaga tudo e não progride.
Que a vida
é difícil, em alguns períodos mais, noutros menos, que há épocas de vacas gordas
e outras de vacas magras, mas que a sábia gestão de bens, expectativas, desejos
e trabalho, numa ótica estratégica e tática, pode conseguir airbags que
evitam males maiores e permitem uma boa navegação ao longo da vida.
Sem
estar com um discurso do «Ó tempo volta para trás», é bom relembrar a história
dos pais, da família, da comunidade, do país… porque a memória é curta, e muito
mais quando houve uma revolução paradigmática em termos de informação e
comunicação.
Que ser
adolescente em tempos de crise é normal, porque a crise é inerente a todas as
fases da vida, incluindo a adolescência e talvez até mais pela velocidade de
crescimento, desenvolvimento, autonomia, identidade, projetos, afetos e outras
coisas que tal e que cada um poderá dar a volta à crise se mantiver a lucidez,
tentar a excelência de si próprio, esforçar-se por conseguir ultrapassar-se e
assumir o aperfeiçoamento como objetivo de vida.
Os filhos
não são nem podem ser a segunda edição do nosso livro, mesmo que com algumas
correções e emendas, e uma nova capa. Os filhos são o livro deles, com algumas
dicas da nossa parte mas escrito por eles. Adolescer em tempos de crise é quase
um pleonasmo. Mas, em todas as fases da vida, vivemos em crise, entrecortada por
períodos de acalmia, de reflexão e também de fruição do que se foi estruturando
e organizando, mas se a seguir à tempestade vem a bonança, como diria La Palice,
a seguir à bonança virá necessariamente uma tempestade.
Continuemos a apoiar os nossos filhos, no seu
processo de crescimento, segundo os princípios e valores que são os nossos, mas
com uma grande capacidade de ouvir, escutar, dialogar, negociar e respeitar.
Reciprocamente.
E
mostremos – para nosso bem, igualmente -, que ser adulto é bom. Que o carro que
vai sair do outro lado da máquina de lavar, depois da ameaça daquelas enormes
escovas azuis que avançam à velocidade quase da luz, com barulhos e tremores,
depois da nuvem branca de espuma que não nos deixa ver nada e da outra grande
máquina de ar quente que avança em direção a nós, o carro sairá do outro lado
limpo e brilhante a cheirar bem e com aspeto novo, mesmo que subsistam alguns
riscos e «cicatrizes» de factos passados. Mas, claro, como em tudo na vida, este
sucesso dependerá da qualidade e afinação da máquina, da competência do operador
e da vontade e força de vontade do próprio. Há escolhos, dificuldades,
obstáculos e crises. Mas há nós próprios, e é isso que temos de dizer aos
adolescentes, caso contrário afirmar-nos-emos enquanto adultos como fracassos e
falhados, o que, convenhamos, não será bom, nem para a nossa imagem, nem para o modelo que devemos ser (e que somos) para eles.
Retirei daqui o artigo.
Tudo de bom!
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